sábado, 12 de setembro de 2009

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DO EVANGELHO DE LUCAS

A linguagem dos Evangelhos e em especial de Lucas fica a poucos passos da prosa clássica (séc. V e VI a.C.) e do grego moderno. Pertence ao linguajar comum à bacia mediterrânea oriental do século I. É um grego chamado koiné, i é, língua comum.
Lucas quando quer, redige em uma rica linguagem literária, mas isso o faz excepcionalmente. Lc 1,1-4 é muito bem elaborado. O mesmo acontece com o discurso de Paulo em Atenas. A maioria das vezes, porém, Lucas narra com um grego popular. Ele também procura corrigir certas imprecisões de Marcos. Recusa chamar de mar o que não passa de lago, o lago de Tiberíades. Evita também os semitismos e latinismos
Lucas segue em grande parte a seqüência de Marcos, exceção feita da narrativa da paixão, mas reproduz apenas sete décimos do material de Marcos, distribuídos em três grandes blocos (3,1-6,19; 8,4-9,50; 18,15-24,11). Permeando-a encontramos uma tradição não marciana: "a pequena inserção" (6,20-8,3) e "a grande inserção" (9,51-18,14) e longos trechos: Lc 3,23-4,13; 4,16-30; 5,1-11; 19,1-27; 22,14-18.24-38; 23,6-16.27.39-43. As narrativas da infância e do acontecimento após a ressurreição (Lc 1 e 2; 24,12-53) contêm material especial e exclusivo.
A chamada "narrativa de viagem" (9,51-19,27) é uma criação de Lucas. Ele inseriu material de várias origens na trama de uma jornada até Jerusalém. Nesta "seção central", Lucas preencheu o vácuo, criado por Mc 10,1; 11,1.

a) A revisão de Marcos (e, pelo que se pode inferir, também de Q e da tradição especial) foi feita através de maior entrosamento das diferentes narrativas dispersas. Em contraste com Mt 25,14, coloca a parábola das minas dentro do contexto biográfico de Jesus, referindo-se à proximidade de Jerusalém e à falsa expectativa da multidão. Em 4,13, a observação sobre o afastamento temporário do demônio, lembra de forma antecipada 22,3; Em 8,2, a modo de preparação, traz os nomes das mulheres que estariam presentes à crucifixão e à descoberta do túmulo vazio (23,49.55; 24,10).

b) Lucas muda o linguajar de Marcos e provavelmente também o da sua outra tradição, substituindo termos e formas de expressão populares por expressões gregas mais sofisticadas. Elimina todas as palavras estrangeiras, com exceção do Amém; esta, ele a usa seis vezes em logia portadores de instruções diretas para a vida cristã (4,24; 12,37; 18,17.29; 21,32; 23,43). De tudo isso se conclui que Lucas adaptou a tradição para os leitores de fala grega; mas, assim fazendo, impôs-se a si próprio limites mais estreitos no que diz respeito à reprodução dos ditos do Senhor.

c) Como Mateus, Lucas também omite palavras ofensivas contidas no texto de Marcos; a cura de "muitos" em Mc 1,34; 3,10 torna-se a cura de "todos (4,40; 6,19); são omitidos estados emocionais de Jesus (6,10; 18,22 contra Mc 3,5; 10,21), a explicação dos familiares de Jesus, segundo os quais ele teria enlouquecido (Mc 3,20) e a cura mediante o contato físico (Lc 4,39; 9,42 contra Mc 1,31; 9,27); a exclamação de Jesus: "meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mc 15,34) é substituída por: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23,46). Em contrapartida, Jesus logo de início se vê como o Messias (4,21), e por isso já o Jesus terreno é chamado freqüentemente de "o Senhor" pelo evangelista (7,13; 10,1.41; 22,61...), pois com a atividade de Jesus o tempo da salvação já foi inaugurado (19,9). Esta ênfase na messianidade e no senhorio do Jesus terreno não impede a Lucas acentuar os sentimentos de simpatia de Jesus: Jesus conversa com as mulheres no caminho do Calvário (23,27ss), com um daqueles que foi crucificado com ele (23,40ss); cura a orelha de um servo do sumo sacerdote (22,51); e, na casa do sumo sacerdote, procura com o olhar a Pedro (22,61)

d) Lucas, mais que os outros evangelistas, dá ênfase que Jesus expressa o amor de Deus pelos desprezados deste mundo, tanto com as atitudes, como com a sua mensagem. Expressa sua simpatia para com: os pecadores (5,1-8; 7,36ss; 15,1ss; 18,9ss; 19,1ss), "pois o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido" (19,10; 22,31s); os samaritanos (10,30ss; 17,11ss); as mulheres (7,12.15; 8,2s; 10,38ss. 23,27ss). Isso expressa também a rejeição dos ricos (12,15ss; 16,19ss), a advertência a respeito das mamonas (16,9.11), o "ai" (6,25s), e a bem-aventurança dirigida aos "pobres" e aquele que "agora passam fome" (6,20ss). Lucas se baseava no pressuposto de que em Jesus o amor divino para com aquelas pessoas dadas como perdidas aos olhos dos homens tornou-se realmente salvação já aqui e agora.

e) Lucas, de três diferentes maneiras, coloca a história de Jesus em conexão com a história do seu tempo:

  • Ao relacionar o nascimento de Jesus em Belém com o censo ordenado pelo Imperador (2,1s), ao determinar cronologicamente o aparecimento do Batista, baseando-se em datas da história romana e judaica (3,1), a história de Jesus se tornou reconhecível como fazendo parte do curso geral da história. A história de Jesus pertence, de acordo com Lucas, à história do mundo.
  • Lucas foi o primeiro a apresentar a história de Jesus como o começo da história da igreja em marcha (19,11; 21,8), no sentido em que ele faz com que ao Evangelho se siga o livro dos Atos como um segundo livro de uma narração histórica continuada. A história de Jesus é apenas o começo da história escatológica.
  • Lucas tenta demonstrar a não-culpabilidade política de Jesus aos olhos dos romanos, sobretudo de Pilatos (23,4.14.20.22; 23,47), ao passo que os judeus aparecem como fomentadores de revolta, procurando acusar a Jesus injustamente de agitação política (20,20.26; 23,2.5.18s.23.25). Assim, os romanos saem completamente absolvidos do pecado da crucifixão de Jesus (23,25); fica então preparada a defesa dos cristãos contra a acusação de envolvimento político em Atos (17,7).

Nenhum comentário:

Postar um comentário